
Recentemente, li um texto que me tocou profundamente, escrito por uma psiquiatra amada (minha irmã), Dra. Lílian Félix, peço licença para compartilhá-lo nesse espaço:
“Abri a porta e a vi. Me aguardava com um sorriso simpático, aquela mulher. Morena, cabelos curtos da cor do tempo que passou. Oitenta e muitos anos. Anos poucos gentis.
Sua sobrinha, e cuidadora, confessou-me que os últimos dois foram ainda mais desafiadores — agora precisava de auxílio para a higiene e todo o resto que a vida exige. Se não fosse pouco, esquecera de boa parte de sua vida e, mais recentemente, ‘deu pra inventar histórias’…
Ouvi algumas atentamente enquanto ela, debalde, tentava acomodar-se em sua cadeira de rodas. Ela não combinava com aquela cadeira (e não creio que alguém possa).
Era encorpada, altiva e tinha um olhar tenaz, que escondia uma tristeza conformada.
Pouco podia contribuir com as perguntas objetivas: onde havia nascido? Que dia era aquele do nosso encontro? Em que ano se aposentou?
Entretanto, questionada sobre o que sentia, falou com assertividade: ‘Tenho um sentimento que me magoa. Vontade de ser uma pessoa livre e hoje sei que tô presa na minha situação. Perdi todo mundo’. Aquela não era uma história inventada.
Talvez um necessário ajuste no script apenas — contou-me que marido e filhos faleceram de ‘causas naturais mesmo’. Não lembrava dos detalhes. Seria resultado da demência avançada ou a necessidade de esquecer para sobreviver?
Revelou-me sua acompanhante que ela havia casado jovem e tivera três filhos; dois deles e seu companheiro faleceram em um triste acidente de ônibus. Ela e o filho mais velho escaparam com vida por um milagre.
Após dois anos, viu seu último amor também partir, aos 19, por complicações de diabetes.
Como suportar essas lembranças? Reflito sobre como a vida pode ser cruel e gentil ao mesmo tempo.
Os anos passaram. Casou-se novamente, trabalhou, encontrou boas pessoas em seu caminho e viveu como pôde; sem muita gentileza consigo.
E, apesar de tudo, ela disse sorrindo: ‘Ainda tenho muita vontade de viver’.
E, por fim, não era a cadeira que a deixava inquieta…”
(Fonte: perfil @lilianfelixpsiquiatra | Publicado em 08.09.25)
O texto retratou uma dura realidade enfrentada por nossos idosos: a invisibilidade de suas dores.
Quando falamos em proteção estatal aos idosos, tocamos na necessária proteção a ser dispensada a uma população que vai, aos poucos e em sua maioria, tornando-se indefesa.
Pelo cansaço de suas batalhas, pelas dores da vida, pelos golpes do desconhecido e mesmo pelo desrespeito por parte de outras gerações, tornam-se alvos fáceis de predadores e enfrentam uma marginalização social que os relega ao esquecimento.
Assim, apesar de contarem as histórias de nossas raízes, memórias de quem somos, quem realmente lê essas histórias? O nosso mundo acelerado e foco no futuro tem nos afastado e descartado sem pudor nossas origens.
Hoje, queremos convidar você a uma pausa. Uma reflexão profunda sobre como estamos tratando nossos idosos. Mais do que números e estatísticas, falaremos sobre o silêncio que ecoa em lares onde a presença física, às vezes também inexistente, não preenche o vazio da ausência afetiva.
Índice
- Os desafios silenciosos
- Leis que iluminam a escuridão: conscientização no Rio Grande do Norte
2.1 A Campanha “Idosos órfãos de filhos vivos” (Lei nº 11.135/2022)
2.2 Junho Violeta: contra a violência (Lei nº 12.061/2025) - Abandono e maus-tratos: crime
- O que você pode fazer?
Os desafios silenciosos
Envelhecer é um processo natural, mas para muitos, ele vem acompanhado de desafios que a sociedade insiste em tornar solitários.
Se antes os mais velhos eram elevados ao status de sábios e eram referência para os inexperientes, hoje a solidão é a companhia mais constante dos que já andaram e viram muito.
Aproveite para saber mais sobre os direitos da pessoa idosa no RN, conheça algumas das leis e saiba como encontrá-las na POLI.
A dificuldade para realizar tarefas simples, o medo de ser um fardo, a luta contra doenças crônicas e a sensação de que seu tempo e sua voz já não importam reinam em suas mentes
No entanto, talvez a dor mais aguda seja a do abandono. E não falamos apenas do abandono físico, falamos de uma realidade ainda mais cruel e, infelizmente, comum: a dos “idosos órfãos de filhos vivos”.
É uma orfandade que não vem da morte, mas da negligência. É o telefone que não toca, a visita que nunca acontece, a ausência de um abraço, de uma conversa, de um olhar que diz: “você importa”. É a dor de se sentir um estranho dentro da própria família.
Leis que iluminam a escuridão: conscientização no Rio Grande do Norte

Felizmente, a sociedade começa a despertar para essa realidade. No Rio Grande do Norte, marcos legais importantes foram criados não apenas para punir, mas principalmente para educar e sensibilizar.
1. A campanha “Idosos órfãos de filhos vivos” (Lei nº 11.135/2022)
Esta lei potiguar é de uma sensibilidade ímpar. Ela institui uma campanha com o exato nome dessa dor silenciosa. O objetivo da Lei nº 11.135, de 09 de junho de 2022, é jogar luz sobre as devastadoras consequências do abandono afetivo e material.
Ela busca orientar a população, mostrando que o cuidado com os idosos é um dever moral, social e legal. É um chamado à responsabilidade, um convite para que os filhos se lembrem de quem cuidou deles a vida inteira.
2. Junho Violeta: contra a violência (Lei nº 12.061/2025)

Além do abandono, outra sombra assusta a população idosa: a violência. E ela tem muitas faces: física, psicológica, financeira, sexual. Para combater essa triste realidade, o Rio Grande do Norte instituiu, através da Lei nº 12.061, de 03 de fevereiro de 2025, a campanha “Junho Violeta”.
Alusiva ao Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa (15 de junho), a lei promove um mês de ações, debates e mobilização para proteger e defender os direitos dos mais velhos.
Abandono e maus-tratos: crime
O Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741/2003) é claro em seu art. 98 ao dizer que quem: “abandonar a pessoa idosa em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado”, poderá sofrer pena de detenção de 6 meses a 3 anos e multa. A exposição a perigo e a apropriação de bens também são crimes severamente punidos.
As leis estaduais, como as do Rio Grande do Norte, funcionam como um megafone, amplificando a mensagem da lei federal e adaptando-a à realidade local, incentivando a proteção, mas também a denúncia.
O que você pode fazer?
Refletir é o primeiro passo, mas agir é o que transforma. A mudança começa em cada um de nós.
- Esteja presente: uma ligação, uma visita curta, uma mensagem. Mostre que você se importa;
- Ouça com atenção: deixe-os contar suas histórias, mesmo que repetidas. É a forma deles se manterem conectados;
- Ofereça ajuda prática: acompanhe a uma consulta médica, ajude com as compras, auxilie em uma tarefa doméstica;
- Tenha paciência: o ritmo deles é outro. Respeite seu tempo e suas limitações;
- Denuncie: se você suspeitar de qualquer tipo de violência ou abandono contra um idoso, não se cale. Disque 100. A ligação é gratuita e sigilosa.
Nossos idosos são um tesouro. Cuidar deles é cuidar da nossa própria história, é honrar o passado para construir um futuro mais justo e humano. Que as leis sirvam de alerta, mas que o amor e o respeito sejam sempre a nossa principal motivação.
E você, como tem cuidado das suas raízes?
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Auditora de Finanças e Controle – CGE RN.
Atua na Auditoria-Geral – NMI (Núcleo de Monitoramento de Indicadores, de Consultoria e de Elaboração do Relatório de Contas de Governo e de Gestão).
Graduada em Direito, Advogada e Especialista em Direito e Processo Penal.